domingo, 21 de dezembro de 2008

Meu Deus, me dê a Coragem
Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.
Poema ao acaso

Poema ao acaso

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

QUADRILHA (Carlos Drummond de andrade)



João amava Teresa

que amava Raimundo

que amava Maria

que amava Joaquim

que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos,

Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre,

Maria ficou pra tia,

Joaquim suicidou-se

e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

sábado, 18 de outubro de 2008

Vlademir Dias Pino

"Eis o morto livreraso e vazio
em seu ninho de sangue calvo( calvo como a bala de fuzil )
sangue que é um escudo
assim tombado"

* Vlademir ou Wlademir Dias Pino, (1927, RJ-) cuiabano, nascido a 2 de fevereiro de 1927. O maior de todos os poetas concretistas de Mato Grosso. VDP foi um dos chefes do Movimento novo na literatura brasileira: o concretismo, poesia concreta.

ASPIRAÇÃO (

Aspiração
Bojando a vela sobre o mar sem alma,

Vai, asa branca, ao ritmo do vento.
Circunfletindo, oscila e corta a espalma
Imensidão que espelha o firmamento.
No ar rarefeito treme a leve palma...

Se a tempestade vier, o oceano é cruento...
E ela não sente quando a tarde é calma,
Insídias de borrasca em céu sedento.
Quisera ver minha alma - neste instante -Como a vela boiar, e se sumindo

No horizonte, indo além, bem mais distante...
E indo a vogar meu pensamento com ela,

Livre da ronda das paixões (que lindo!)
Como a alvura que aclara a branca vela.


Da. Maria de Arruda Muller (1898, MT-2002), poetisa, ativista cultural, uma das fundadoras do Grêmio Literário Júlia Lopes, do qual foi presidente e participa do grupo que publicou a revista A Violeta e membro da Academia Mato-grossense de Letras.

Âmago ( Lucinda Persona)

Sinto o deslizar do tempo
pesado, soturno e lento
pelos meus ramos perpétuos.
Tenho as minhas raízes imersas
e as minhas seivas esparsas
em terras de eternidade.
(E este oculto ordenamento
de fatos - pétreo mistérios?...
Por que a flor, em mim, não medra?
Misturei-me em terra estéril?)

ANTÔNIO SODRÉ

"Poema que não desabrocha
retido no coração
fica duro como rocha"

*Antônio Sodré - O poeta da transmutação.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A FORTALEZA DO ESPÍRITO (autor desconhecido)

Às vezes, parece que a vida não é mais do que um teste para nossa paciência e resistência.
Há dias em que a alegria já acorda em nossa companhia;
e há dias em que levantamos sem ânimo, sem mesmo saber para quê,
pois até a esperança de felicidade parece extinguir-se.
O cansaço e a desesperança atacam a todos, sem excepção;
e há os que sucumbem e se rendem à vida, abandonando a luta e aceitando a derrota.
Que tu não sejas um destes e acordes, hoje, como um bravo;
alguém a quem a vida, muitas vezes, não oferece nada, nem mesmo a esperança
- mas que, mesmo assim, cerra os dentes, levanta, reage e luta!
Que acordes como um valente, de quem o destino pode tirar os sentidos e a respiração,
mas não pode tirar a coragem.
Pois, se a vida nos testa, mostremos a ela que nosso corpo pode ser frágil,
mas que nossa alma é de aço.
E que a espinha de um bravo verga,
mas não quebra!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Quem se defende

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário.
E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence.
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contém
Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as betulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa.
Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente.
Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
Bertold Brecht

Soube que vocês nada querem aprender


Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários
Seu futuro está garantido-à sua frente
Iluminado. Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra.
Neste caso
Você nada precisa aprender.
Assim como é
Pode ficar.
Havendo ainda dificuldades, pois od tempos
Como ouvi dizer,são incertos
Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender
Bertold Brecht

cançao de uma enamorada


Quando me fazes alegre
Penso por vezes:
Agora poderia morrer
Então seria feliz
Até o fim.
E quando envelheceres
E pensares em mim
Estarei como hoje
E terás um amor
Sempre jovem.
Bertold Brecht

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Tecendo o Amanhã


1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

Educação pela Pedra


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

João Cabral de Melo Neto

Eu Te Amo Como...


Eu te amo como se ama a abóbada noturna,
Ó taça de tristeza, ó grande taciturna,
E mais ainda te adoro quando mais te ausentas
E quanto mais pareces, no ermo que ornamentas,
Multiplicar irônica as celestes léguas
Que me separam das imensidões sem tréguas.
Ao assalto me lanço e agito-me na liça,
Como um coro de vermes junto a uma carniça,
E adoro, ó fera desumana e pertinaz,
Até essa algidez que mais bela te faz!

Charles Baudelaire

Livros e flores


Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor.
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?

Machado de assis

Vê estas mãos?


Vês estas mãos?
Mediram a terra, separaram os minerais e os cereais,
fizeram a paz e a guerra, derrubaram as distâncias
de todos os mares e rios,
e, no entanto, quando te percorrem a ti,
pequena, grão de trigo, andorinha,
não chegam para abarcar-te,
esforçadas alcançam as palomas gêmeas
que repousam ou voam no teu peito,
percorrem as distâncias de tuas pernas,
enrolam-se na luz de tua cintura.
Para mim és tesouro mais intenso de imensidão
que o mar e seus racimos
e és branca, és azul e extensa como a terra na vindima.
Nesse território, de teus pés à tua fronte,
andando, andando, andando, eu passarei a vida.

Pablo Neruda

ANTES DE AMAR-TE...


Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Pablo Neruda

O TEU RISO



Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina ondade prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso comoa flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,ri-te das ruas
tortas da ilha,ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abroos olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

SAUDADE


Saudade

Saudade é solidão acompanhada,

é quando o amor ainda não foi embora,

mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,

é recusar um presente que nos machuca,

é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,

é a dor dos que ficaram para trás,

é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:

não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda

MÃOS DADAS


Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.


Carlos Drummond de Andrade

NO MEIO DO CAMINHO



No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade

MEMÓRIA -Carlos Drummond de Andrade



Memória
Amar o perdido

deixa confundido

este coração.
Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.
As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão
Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Quando Eu (Alberto Caeiro)


Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima ...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza ...
Tu mudaste a Natureza ...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Fernando Pessoa e seus heterônimos(Alberto Caeiro)

Novas Poesias Inéditas

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :
"Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Cancioneiro Autopsicografia (Fernando Pessoa)




O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

É PRECISO NÃO ESQUECER NADA (Cecília Meireles)


É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco,
pois o resto não nos pertence.
(1962)

MOTIVO (Cecília Meireles


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.